Por: Renato Assis
Com a recente apresentação da primeira parte da proposta de reforma tributária – o Projeto de Lei 3.887/2020 (incorporado na discussão das PEC’s 45/2019 e 110/2019) – todo o Terceiro Setor brasileiro passou a discutir o eventual e futuro impacto de 12% CBS (contribuição sobre bens e serviços) sobre sua receita bruta. E com as Associações e Cooperativas de Proteção Veicular, não é diferente.
Pelo texto apresentado, em linhas gerais, seguem imunes somente as entidades que possuem o CEBAS (certificado de entidade beneficente de assistência social), nos termos da questionada Lei 12.101/2009. Lado outro, seguem isentas: 4 categorias específicas que não incluem o socorro mútuo (templos de qualquer culto, partidos políticos e suas fundações, condomínios residenciais e sindicatos, federações e confederações).
A grande crítica que tem ocorrido, pelo menos neste primeiro momento, é que a tributação de 12% afeta gravemente a sustentabilidade das entidades de terceiro setor, ao ponto de inviabilizá-las. Contudo, nosso artigo trata especificamente acera do Socorro Mútuo, no âmbito das Cooperativas e Associações de Proteção Veicular. E na nossa visão, a tributação embora exagerada (o que deve discutido oportunamente) não inviabiliza a atividade. Muito pelo contrário, auxilia em seu atual processo de validação social, jurídica e política (sendo neste artigo desconsiderada a discussão acerca do tema “atividade econômica”, objeto de análise diversa da presente, a ser abordada oportunamente).
Se a tributação afetará nos custos das entidades de Socorro Mútuo, a solução é simples: Os custos “a maior” agregam em um aumento do ônus administrativo, a ser repassado aos membros da entidade (associados ou cooperados). Simples raciocínio. Se todas as entidades repassam os custos na mesma proporção (12%, por hora), o custo final ao usuário aumenta igualmente, em todo o mercado.
Obviamente, para muitas entidades, qualquer aumento no custo final significa a perda massificada de associados e cooperados. Mas essa máxima somente se sustenta para quem não agrega valor. O aumento do preço só “mata” aquele que vive de “preço”, e este já está morto, só não percebeu ainda. O mercado não preserva mais quem não entrega ao “cliente” final percepção de valor. Ainda mais no ambiente pós-pandemia do CPVID-19.
Em linhas gerais, a Reforma Tributária não mirou essencialmente o Terceiro Setor, mas o atingiu em cheio com a medida aqui analisada. A eventual tributação será péssima para todas as entidades do setor que estavam legalmente validadas (o que não é o caso das de Socorro Mútuo, dado o constante questionamento acerca da legalidade).
Portanto, como a medida pretendida pelo Governo Federal impacta no mercado de Proteção Veicular? Na nossa visão, de forma essencialmente positiva (com os devidos ajustes, por óbvio).
Em um primeiro momento, não seremos mais invisíveis ao Estado. O que é uma excelente notícia, para as entidades sérias, administradas por pessoas honestas, bem instruídas e comprometidas com a entidade e seus membros. Mas ao mesmo tempo, é uma péssima notícia para os oportunistas e aventureiros, que tanto amam a atual “invisibilidade”, e a usam a seu bel-prazer.
Mais um excelente aspecto da medida, é que ela impacta diretamente no PLP 519/2018 (antigo PL 3139/2015). A Reforma Tributária fere de morte a aprovação ocorrida na Comissão Especial em 2018, onde foi considerado que o projeto aprovado não afetaria renúncia de receita por parte do Estado. Com a mudança de cenário, o assunto merece certamente uma reanálise.
A medida impacta positivamente ainda, ao ferir de morte a tentativa de equiparação das entidades de Socorro Mútuo à tributação das Seguradoras Empresariais, como sugerido no PLP 519/2018. Portanto, pela reforma o setor será tributado em 12%, e não mais em percentuais absurdos que permeiam entre o dobro e até mesmo o triplo do percentual, conforme absurdamente sugerido pelo corretor de seguros autor do malfadado projeto.
Podemos ainda considerar mais um fator positivo em relação à SUSEP: A tributação sugerida na reforma, caso aprovada, fere de morte um dos principais argumentos da SUSEP e dos críticos do setor de Socorro Mútuo, que é o fato de não pagarem impostos e tributos diretos. Com a aprovação, o setor será tributado de forma isonômica às entidades congêneres, e não mais a empresas que visam lucro, como previsto no PLP 519/2018.
Outro aspecto positivo advindo da tributação do setor é que, como “novos contribuintes” aos olhos do estado, certamente as entidades serão “sacudidas de ponta-cabeça”, tudo o que ocorre internamente será visto, revisto e conferido frente aos critérios legais, a fim de evitar eventual sonegação fiscal. Ou seja, certamente acabou a “farra” dos mal-intencionados que tanto prejudicam o setor. Quem não andar na linha, certamente responderá por seus atos com severidade.
Portanto, embora muito questionada, a medida não possui somente aspectos negativos. Se é ruim para as entidades do setor que atuam livremente de forma “não questionada”, será curiosamente boa para as entidades de Proteção Veicular, pois irá conferir ao segmento a “legalidade” que mais interessa ao estado: gerar receita. A partir da aprovação da medida, a cada entidade de Socorro Mútuo “fechada” pela justiça, o estado perderá receita. E isso pode fazer uma grande diferença.
Por fim, precisamos considerar que a tributação das entidades de Proteção Veicular não significa somente um gasto extraordinário de 12%. É na verdade, uma mudança total de paradigma, de um ambiente de total liberdade, para um de fiscalização total e irrestrita por parte do Estado. O novo ambiente não demandará das entidades simplesmente a emissão e pagamento de uma guia de 12%. Ao contrário, haverão inúmeras ferramentas de controle e fiscalização, de absolutamente tudo dentro das entidades, por meios já existentes, mas atualmente, omissos. Cada centavo será acompanhado, e auditado (algo extremamente simples, atualmente).
Obviamente, existem entidades já minimamente preparadas para este ambiente. Mas a maioria absoluta, não. Até mesmo muitos que acreditam estar adequados, por conta de meias-orientações oriundas de meios-profissionais, vivendo uma cega tranquilidade que só a ignorância das próprias obrigações e necessidades pode conferir, situação que remete à letra do “beetle” John Lennon: “A ignorância é uma espécie de bênção. Se você não sabe, não existe dor.”
A eventual tributação do setor, em síntese, poderá funcionar como um “filtro” do Estado em um mercado que funciona em uma perigosa liberdade, dispensando talvez, posterior regulamentação específica. É provável que, a fiscalização que virá a fim de conferir o correto recolhimento do tributo, tenhamos finalmente o mercado de Socorro Mútuo livre da “banda podre” que tanto o prejudica.
A medida traz, mais do que nunca, a necessidade de uma rápida e consistente organização das entidades que hoje atuam no mercado, trazendo-as de fato para um ambiente 100% sustentável jurídica e contabilmente, dentro das regras do Socorro Mútuo. Só este ambiente possibilitará que as entidades garantam seu lugar no futuro, onde só caberão as entidades sérias, organizadas, geridas por um corpo competente, e obviamente, bem assessoradas por profissionais à altura da demanda.